"Turistas de guerra". Itália investiga alegação de que estrangeiros pagaram para ir a Sarajevo matar civis

A justiça italiana abriu uma investigação sobre alegações de que cidadãos estrangeiros viajaram para a Bósnia-Herzegovina, durante a guerra no início dos anos 90, para matar civis sitiados em Sarajevo.

Rachel Mestre Mesquita - RTP /
Mais de 11 000 civis morreram no cerco de três anos a Sarajevo Chris Helgren - Reuters

O Ministério Público de Milão abriu uma investigação sobre alegações de que estrangeiros, ligados à extrema-direita e amantes de armas, viajaram em "safaris humanos" para a cidade devastada pela guerra na década de 1990 para abater bósnios aterrorizados "por diversão". Mais de 11 mil pessoas, entre elas muitas crianças, terão sido assassinadas dessa forma durante o cerco a Sarajevo.

Os estrangeiros ricos, provenientes de Itália, EUA, Rússia e outros países, são acusados de pagar às forças sérvias para participarem na onda de tiroteios durante a Guerra da Bósnia. A simpatia pela causa sérvia, a pura sede de sangue ou a combinação de ambos os fatores, são as causas apontadas pelos investigadores. 

A Sérvia negou as acusações de que turistas de várias nacionalidades teriam sido autorizados a disparar sobre civis sob o comando do líder sérvio-bósnio durante a guerra, Radovan Kardazic. Karadzic foi condenado por crimes de guerra em 2016 e está a cumprir pena numa prisão no Reino Unido.
Tabela de preços para assassinatos seletivos

Após a apresentação de uma queixa em Milão, feita pelo jornalista italiano Ezio Gavazzeni, que descreve uma "caça ao homem" por "pessoas muito ricas" que "pagaram para poder matar civis indefesos" e ficaram impunes, as autoridades italianas estão a tentar identificar os italianos que teriam estado envolvidos. Gavazzeni alega que foram "pelo menos uma centena" os envolvidos, com os italianos a pagarem "muito dinheiro" para o fazer, até 100 mil euros em termos atuais, em declarações ao La Reppublica

Os procuradores de Milão podem apresentar acusações de "homicídio voluntário agravado por crueldade e motivos abjetos". 

Segundo testemunhas e investigadores italianos, havia uma tabela de preços para os assassinatos seletivos, sendo cobrado uma tarifa diferente para para matar homens, mulheres ou crianças. Alegadamente os "turistas de guerra" pagavam mais para atirar em crianças e em homens armados e de uniforme. 

"Havia um preço para esses assassinatos: crianças custavam mais, depois homens, de preferência uniformizados e armados, mulheres e, finalmente, idosos, que podiam ser mortos de graça", contou Gavazzeni, à agência italiana Ansa.

Ezio Gavazzeni, especializado em terrorismo e máfia, leu pela primeira vez uma reportagem sobre as excursões de atiradores a Sarajevo há trinta anos, quando o jornal italiano Corriere della Serra publicou a história, sem apresentar provas concretas. 

Mas foi depois de ter visto o documentário "Sarajevo Safari" (2022), do realizador esloveno Miran Zupanic, que alega que os envolvidos nos assassinatos eram de vários países, que o jornalista italiano decidiu começar a investigar a fundo. 

Como resultado da sua investigação, Ezio Gavazzeni entregou à justiça italiana as suas descobertas num arquivo de 17 páginas. Os procuradores italianos estão a ser auxiliados por uma unidade da polícia italiana, Raggruppamento Operativo Speciale, especializada no combate ao terrorismo e ao crime organizado. 

A investigação revela que cidadãos italianos teriam-se reunido em Trieste, no nordeste de Itália, e sido transportados para as colinas ao redor de Sarajevo durante o cerco à cidade, entre em 1992 e 1996. 

"Eles partiram de Trieste para uma caçada humana. Depois voltaram para casa e continuaram suas vidas normais, eram respeitáveis na opinião daqueles que os conheciam", disse o jornalista, ao La Reppublica

A Guerra da Bósnia, que matou mais de 11 mil pessoas, foi a mais longa da história moderna da Europa.
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